Humores e temperos nas relações humanas

Depois do AVC comecei a prestar mais atenção em TUDO. Antes considerava as coisas todas iguais, tudo era guardado apenas na cabeça, eu só guardava no coração aspectos mais íntimos como família, filhos e amigos. Hoje eu reconheço que a maioria das coisas são guardadas no coração. 

Um exemplo disso são as relações que tive com meus cuidadores e profissionais de saúde. Antes eu avaliava pessoas que trabalhavam comigo pelo prisma funcional, levava em conta aspectos como assiduidade, pontualidade, capacidade técnica, comunicação efetiva e imediata. Depois do AVC comecei a considerar aspectos mais sutis como tom de voz, a intenção que está atrás da comunicação, a presença da empatia na relação, as crenças internas do outro (que apesar de serem internas interferem na relação externa), aspectos morais, responsabilidade e respeito. 

Ao longo da minha reabilitação fui aprendendo a me relacionar cada vez melhor com os terapeutas e cuidadores porque comecei a aceitar todas as pessoas e vê-las como irmãos. Dos relacionamentos o mais sensível é o de cuidador que por não ter um escopo profissional pré definido acaba precisando se apoiar na empatia para executar os procedimentos de cuidador. 

Tem paciente que depois do AVC assume uma postura de pessoa doente e isso adapta o individuo a uma rotina hospitalar. Na rotina hospitalar, normalmente os cuidadores profissionais se sentem mais a vontade para executar o trabalho pois o escopo já vem definido. Quando o paciente está em ampla reabilitação o cuidador tem que ser criativo, porque doença é uma palavra que não existe para este tipo de paciente. Cada dia é um novo dia cheio de oportunidades, portanto se o cuidador não caminhar junto o relacionamento se torna praticamente impossível. 

Uma coisa que aprendi é sobre a complementariedade, ou seja, se o paciente tem um perfil autocrático, empreendedor e líder natural, o cuidador mais adequado é o que pouco autocrático, mais executor do que empreendedor e com uma passividade que permita conviver com um líder sem disputar com este. Nessa relação cuidador - paciente, sim, os opostos se atraem, mas aqui não estou me referindo a gênero e sim perfil interno. Além disso, é importante que o cuidador tenha real interesse pelo objeto do seu trabalho (paciente) e não apenas medo de ser punido por algo feito ou não feito. Desenvolver atenção, consciência e empatia são requisitos do bom cuidador. 

Resumindo, o que quero dizer com este texto é que a relação cuidador/ paciente é antes de tudo uma relação humana, sujeita aos humores e temperos que somos capazes de elaborar. 

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